Quando estudante do cursinho
pré-vestibular Barriga Verde em Florianópolis, tive um professor de literatura
brasileira que se tornou inesquecível na minha vida devido o seu entusiasmo e
desenvoltura pelo teatro que formava principalmente quando recitava um verso.
Lembro-me apenas que era um professor natural de Palhoça, irmão do amigo
Josias, filho do seu Gercino; caso não esteja enganado.
Uns dos versos mais
marcantes que recordo ver o professor recitar foi o de Manuel Bandeira -
“Vou-me embora pra Pasárgada”
Segundo o próprio
Manuel Bandeira: “Vou-me embora
pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em sua vida. Pasárgada, que
significa “campo dos persas”, suscitou na imaginação do autor como uma paisagem
fabulosa, um país de delícias. No entanto, mais tarde, quando Bandeira morava
só, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-se de súbito do
subconsciente o grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Tornou-se
assim, a primeira célula do poema. Que descrevo abaixo:
Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira",
Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90